terça-feira, 22 de novembro de 2011

Parto normal – Onde está a anormalidade?

Depois que a novidade da gravidez da minha filha chegou à minha vida comecei a fazer contato com uma nova realidade. A contra mão que o Brasil está com relação ao número absurdo de partos cesáreas.
Enquanto a grande maioria dos países está aumentando o número de mulheres que têm partos normais, o Brasil cresce para o outro lado seja na rede privada ou na pública. Na rede privada o número de partos cesáreas é superior a 80% e na rede pública está acima de 30%, quando a Organização Mundial de Saúde considera que deve ser entre 10% e 15%.
Minha filha tem clareza que quer ter parto normal. Natural isso, não? Por incrível que pareça, não. O “natural” hoje são as cesarianas. O ato de parir que é um fenômeno natural e fisiológico, se transforma em um processo patológico e medicalizado.
Pois bem, com a gravidez de Mariana e seu resultado natural que é o futuro parto nos deparamos com a grande dificuldade de conseguir uma médica ou médico que estivesse disposta(o) a fazer o parto normal.
O mais interessante e que nós fomos contatando a cada novo passo na difícil direção de encontrar uma obstetra para fazer aquilo que me parecia o mais obvio, um parto normal é que têm aqueles que declaram honestamente que não vão fazer. Mas têm aqueles que “fingem” que vão fazer mas quando se aproxima a hora, a surpresa. Toda espécie de dificuldades são apresentadas deixando insegura a mulher que sente que manter a decisão de parir normal é colocar em risco a sua vida e do seu filho. Uma loucura!
Teve médico que disse, ao ser informado por minha filha que queria ter o parto normal, que isso não era o mais importante e o que importava era o bebê nascer bem.
Sinal vermelho! A fala das mulheres recém paridas na sala de espera, todas com partos cesáreas ou com datas marcadas para seus partos, ligou o nosso alerta e mudamos de médico.
Outra descoberta foi a de que essa geração de obstetras não sabem fazer parto normal, de tão naturalizado a intervenção cirúrgica nos partos.
Entretanto o mais importante de tudo isto é que quando temos clareza da nossa decisão e, nesse caso, minha filha tinha isso bem definido, encontramos pessoas que nos apóiam e nos orientam para garantir a decisão e o desejo da mãe de definir o seu parto.
Claro que não é responsabilidade apenas dos médicos. É uma soma de fatores. Médicos de um lado buscando o procedimento mais rápido e seguro para eles. Mulheres do outro acreditando que o legal é não sentir dor e ter seu “procedimento” previamente marcado.
Resultado dessa equação? Esse número de cirurgias para o nascimento das crianças no lugar dos naturais partos que fizeram vir ao mundo tantas e tantas crianças por gerações.
Parir normal é legal! Vamos mudar a realidade da saúde no Brasil dando às cesarianas o seu devido lugar, quando justificado nos prováveis benefícios para a saúde da mãe e do seu filho.




segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Onde foi parar o afeto?

A notícia de que minha filha mais nova está grávida e consequentemente que serei avó, me trouxe muitas reflexões e ainda me traz.
Foi uma surpresa nas nossas vidas que depois do susto inicial tem sido motivo de muita alegria. Sem dúvida com os impactos gerados pelas mudanças de planos. Isso porque teimamos em acreditar que temos o controle sobre a vida e que por isso podemos confiar nos nossos projetos com total segurança.
A vida não é assim! Ela tem uma dinâmica para além das aparências e cegos não conseguimos ver, apesar das demonstrações diárias dessa “vida própria” da própria vida.
Pretendo aos poucos compartilhar essas tantas reflexões que Maria tem proporcionado na minha vida. Sim minha neta será simplesmente Maria, elegantemente simples, como a mãe dela, minha filha Mariana.
Nesse momento quero refletir sobre o afeto, ou o desafeto que temos assistido nas nossas relações interpessoais.
Outro dia estava com Mariana numa anti-sala de uma médica que é pediatra e clínica e fiquei observando a forma que as mães tratavam seus filhos.
Observava as mães porque ainda são elas que levam os filhos para o pediatra, ou melhor são elas, ou nós, que nos ocupamos dos cuidados dos filhos e filhas. Apesar de não me incluir nesse modelo pois tenho um companheiro bastante cuidador, me incluo como mulher.
Voltando as minhas observações...Verificava enquanto aguardava, a dureza com que boa parte dessas crianças eram tratadas. Via que as mães tinham as melhores das intenções. Queriam educar seus filhos ensinando as regras sociais o mais cedo possível.
Crianças de talvez três anos sendo exigidas de manutenção da ordem e da colocação de papeis no lixo, etc. Outras de talvez cinco ou seis anos, que no meio da brincadeira com jogos ali disponibilizados para elas, se apressavam para guardar as peças rapidamente pois a mãe estava saindo do consultório e não gostaria de encontrar aqueles brinquedos “desarrumados”.
E eu ali olhando aquelas cenas que desenrolavam na minha frente pensei. Onde está o afeto? Quem está ocupado em dar afeto nas relações com as crianças? Por que precisamos impor tantas regras como se quiséssemos que nossas crianças rapidamente se preparassem para serem adultas?
Nessa mesma semana assistindo a um telejornal vi e ouvir uma reportagem falando dos “vestibulinhos”. Cursinhos preparatórios para garotas e garotos de dez, onze anos, entrarem em determinadas escolas, pois as vagas são em menor quantidade do que os interessados nelas. Eu olhava aquelas crianças dando entrevistas e falando das suas rotinas e me perguntava. Cadê a infância dessas crianças, o brincar, o tempo livre, a possibilidade de experimentar o mundo de forma irresponsável e protegida?
E voltei a pensar, onde está o afeto? Estamos construindo seres cada vez mais racionais, competitivos e sem afetividade. Falar de amor, carinho, afeto em geral é quase uma inadequação no mundo contemporâneo.
Pensei em mim nas minhas distâncias do afeto. Na minha necessidade de racionalizar a minha vida e decidi que quero resgatar o afeto nas minhas relações.
Quero para Maria Cohim um mundo de muito afeto e acho que ela já trouxe benefícios para minha vida ao me possibilitar esse resgate com a doçura da vida. É uma aprendizagem, mas estou completamente aberta para esse novo olhar.
Meu convite para você é que possa dar e receber afeto, tenho certeza que o mundo fica bem mais legal assim.




terça-feira, 1 de novembro de 2011

Violência sexual e suas complexidades

Usualmente quando tratamos da violência sexual fazemos como se estivéssemos olhando a vida das pessoas envolvidas no fato violento numa única cena. E não por acaso que estas cenas estão, via de regra, congeladas em atos em que temos mulheres no papel da vítima e os homens no de agressores destas.
Basta buscarmos qualquer estatística que retrata essa realidade para entendermos que as pessoas do sexo feminino são as maiores vítimas e os homens os seus maiores agressores. Fato denunciado pelos movimentos de mulheres e feministas em especial desde a década de 70 do século passado. Das pessoas vitimadas sexualmente atendidas no Viver em 2009 88% são do sexo feminino e 99% dos agressores do sexo masculino.
Entretanto basta ampliarmos um pouco mais o nosso olhar para percebermos que precisamos abrir a nossa câmara para outras cenas sob pena de ficarmos presos a uma realidade importante, mas que não fala tudo do fenômeno. Precisamos complexificar a figura do homem nessa cena. Assim como fizemos com as mulheres, ou seja, primeiro percebemos que não era possível falar desse sujeito social no singular, pois a diversidade de mulheres exigia que fossem tratadas no plural demarcando a multiplicidade de sujeitos incluídos nessa categoria. Posteriormente, entendendo que as questões postas não estavam inscritas na natureza dessas tantas mulheres e buscando marcar as construções sociais que definem os comportamentos e valores do que é ser feminina ou masculino, passou-se a utilizar a categoria gênero.
Assim como não é por acaso a escolha da cena, não é por acaso que o foco de luz esteja posto sobre as mulheres, apresentando de forma tão simplista os homens nessa cena. Efetivamente são as mulheres as que sofrem as piores conseqüências dessa situação, provocada pela relação desigual de submissão e exploração. E por essa razão foram as próprias mulheres que foram as ruas, a imprensa e posteriormente às academias denunciar esta situação e reivindicar a garantia de direitos para as suas iguais e para si mesmas. Desta forma tem toda lógica que essa luz esteja totalmente focada nas mulheres, mas sem perder o foco já colocado nesses sujeitos sociais precisamos possibilitar que uma nova luz ilumine outro protagonista dessa cena.
Evidentemente que não podemos confundir essa iluminação como um processo de minimização de responsabilidade ou de amenização das possíveis razões que levam os homens a cometerem atos violentos contra mulheres. Mas se temos o interesse objetivo de compreensão do fenômeno e de buscar intervenções que efetivamente promovam transformações nas relações sociais entre mulheres e homens não podemos continuar jogando o véu que invisibiliza esses homens, simplificando o nosso olhar para eles apenas como agressores.
Entendo que o próximo passo nesse fenômeno da violência sexual é rodarmos a câmera no nosso Sting de filmagem e olharmos os homens agressores de forma mais complexa, para além da história da violência.
Finalizando quero evidenciar que a proposta de incluir os homens de forma mais complexa no estudo da violência sexual não exclui em nada toda luta pela responsabilização dos agressores, só nos possibilita olharmos para eles de forma menos simplistas e darmos alguns passos à frente na compreensão desse fenômeno tão complexo e de difícil apreensão.